quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Bancarrota III

Sempre quis aprender gaélico escocês, com tom imperioso na sonância e com sotaque, mas era taxado de excêntrico e arre! Como é difícil encontra um curso que ensine. Eu queria ser excêntrico, é sério! Mas nunca me deixaram ser, ai pensei em ser autista, autista por opção, e me cansei de ficar pensando nisso.
Da mesma maneira que fui católico, católico só não, espírita, simpatizante do budismo, do xintoísmo e todas as sagradas religiões dos ísmos. E me cansei. Cansei de ter um padre, um médium, uma monja como exemplos a serem seguidos. O que não me torna, necessariamente um ateu. A educação militar sempre me ensinara que fora meus pais, só devia servir a Deus e ao meu País. Na verdade eu nunca entendi bem qual a ordem desses três. Colocando o ponto nos is, eu fui obrigado a seguir os três segamente, como o “s” da última palavra.
E assim me virei, laconicamente falando, entre meus estudos e minha casa. A velha casa da rua Morgue, que nunca chegou a ser uma grande casa, mas que na minha adolescência era vigiada por uma guarnição da policia. Era ditadura militar, meus caros, com os tá-tá-tá-tá das armas do quartel ao lado e com a fobia a comunistas e tudo.
Nossas manhãs eram pães recheados de sangue de revolucionários idiotas que perdiam a vida em busca da liberdade. A liberdade que meu pai assim como aqueles de farda e charutos trouxeram. E para não comermos secos, ainda tínhamos o suco das ações de nosso querido e imortal presidente Médici, que morrera (por acaso do destino) e depois de nosso outro imortal Geisel. Ainda tinha torta de Jules Rimet e de barro amazônico. Como pude acreditar um dia nisso?
Mas existe uma explicação lógica para isso. As missas da minha infância eram rezadas em latim, só sabíamos o “Amém” ao final de cada oração. E assim, confiava piamente em tudo que se pregava e ponto final. Até que eu entendi que tudo o que acontecia não tinha uma lógica plausível, que eu pensava que existia em latim e eu nunca leria, pois não sabia a língua.
Logo, após os amigos do papai prenderem meu subversivo amigo, deixá-lo por terra, com uma cruz enfiada nela, bem acima da sua cabeça e outra na jugular - se pudesse definir onde era a cabeça ou onde era a jugular naquele corpo resumido a embrulho amassado - foi que eu vi onde estava, e o que fazia. E tentei mudar.
Mudar, eis uma palavra sempre utilizada nesses casos. Mudança. “Só conseguiremos mudar o mundo com revolução!” ou “Eu sou comunista pra exigir mudança!” ou “Tenho que mudar a sala, ela está velha, e com casas de aranha”. Essa ultima frase não tem muito haver, mas eu pretendia fazer um parágrafo longo.
Não que fosse por fim um comunista, me defino um socialista quieto e moderado que guardava a sete chaves o livro do grande timoneiro e do barbudo Marx ao invés de guardar com mais cuidado aquelas revistas de mulher pelada que trouxera dos Estados Unidos e que minha mãe escondera após a descoberta.
Um socialista... Comunista, não. A fobia me deixara traços. Comunistas comiam criancinhas ou eram homicidas em potencial. Não queria ser deportado pra Sibéria.