segunda-feira, janeiro 29, 2007

Bancarrota I

Já deve passar das duas ou três da manhã, porque há poucas pessoas transitando, nada mais que alguns casais de namorados ou turistas, e poucos carros trafegam na via. O mar ventila o carro através da janela aberta, trazendo o enjoado cheiro de maresia. É muito tarde para voltar para casa ou para a casa de Alice. No mínimo, se tiver acordada, fingirá o contrário, sem antes, no entanto, não pensar que seria tolice o que estaria fazendo, mas ai já não é ela que tenciona ou não abrir a porta, sou eu que deixo de apertar a campainha.
Amanhã será um dia cheio no trabalho, e aqui estou eu, dirigindo sem destino, tentando a todo custo acender outro cigarro para acalmar os ânimos, e dividindo minhas mãos entre a direção do carro e a caixa de fósforos que o mar apaga. Conversando sozinho, dialogando com o vazio, ou melhor, com meu banco estofado e meu velocímetro.
Resolverei-me com Alice amanhã, é assim que acontece a três anos desde que começamos a namorar. Ela com vinte, e eu com quarenta anos. Hoje, aos quarenta e três, chego a me sentir mais novo que ela. Será que ela amadureceu por minha causa? Só lamento.
Não pretendo me ater a ela, amanhã de manhã no máximo, ela ligará, chamará para almoçar e eu irei como um profeta canalha que segue ao seu primeiro chamado. Ela estará com aquele vestido azul de cetim, o mesmo do dia em que a pedi em namoro. Porque as mulheres são tão sentimentais a ponto de se fixarem em objetos tão frívolos? E porque ela acha que eu gosto daquele vestido, é horrível. Mas sempre tenho que dizer coisas do tipo: “Ele cai muito bem em você”, ou “Nossa, amor, você cada vez mais bela nesse vestido” e ela, corando, agradece.
Pois bem, deixe como está, assim inicia minha depressão momentânea, com um cigarro na boca, olhando os quiosques fechados da beira-mar, fazendo rodas de fumaça, enquanto aguardo o sinal abrir. A partir daqui, sem sono, salvo alguns bocejos, fico a imaginar o que farei amanhã.Não irei à faculdade para dar aula. Tampouco irei visitar o papai. Ele não consegue me identificar mais. Pobre pai sonhava que seu filho passasse a uma função maior da que ele fora, e o filho rebelde imitara não só a sua profissão, como acabara por roubar seu emprego. Devia ter tido um infarto, mas o vinho não deixou, e ele fica lá utilizando seu velho tempo com resmungos em francês arcaico, que leva os enfermeiros sem cultura ao desespero.